quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Afinal, pode um morto espiritual ter fé?(Uma análise de João 5:25)



Alguns cristãos com tendencias pelagianas, buscando sustentar sua fraca teologia, se utilizam da passagem  de João 5:25 para fundamentar a ideia de que o homem, em seu estado natural, pode crer no evangelho à parte da graça de Deus. A proposição pelagiana fundamentada no texto em análise é que "está claro no texto a ideia de que o homem morto espiritual pode ouvir e crer no evangelho". Será mesmo este o real sentido do texto? Ora, é inegável a clareza  da passagem em dizer que os "mortos ouvirão", mas seria então isto um fundamento para a proposição pelagiana de salvação à parte da graça mediante o convencimento do Espírito Santo? Isto é o que veremos agora.

João 5:25 diz: "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão".

Ao interpretar uma passagem da escritura, deve-se levar em conta o contexto imediato e remoto de tal passagem. Quando Cristo faz a afirmação de que os "mortos ouvirão a sua voz", ele não poderia estar contradizendo a Si mesmo quando, em outro lugar, diz: "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia" (Jo 6:44). Ora, se crermos na inerrância bíblica, não podemos interpretar  que em uma passagem Cristo afirmou que os homens naturais podem por si mesmos ouvir a sua voz, enquanto que em outro lugar Ele diz que o homem só pode ouvir caso o próprio Deus o traga para Cristo. A bíblia é a palavra de Deus, ela não se contradiz.

Em toda a bíblia somos avisados da incapacidade do homem natural de guardar os mandamentos divinos. Esta é a realidade do homem após a queda de Adão; entretanto, é bem verdade que nem sempre foi assim. O homem, antes da queda, tinha uma natureza livre do pecado(Ec 7:25). Após a queda isto muda; o homem passa a ter uma natureza inclinada ao pecado. Em Gn 8:16, a escritura nos revela que após a queda "a imaginação do coração do homem se tornou má desde a sua meninice". O apóstolo Paulo com  maestria descreve esta situação de incapacidade na sua carta aos Romanos, com destaque para o capítulo 3. No versículo 11 deste capítulo, o apóstolo afirma: "não há quem entenda; não há ninguém que busque a Deus".  Aqui estão as provas de tal incapacidade; uma teologia séria jamais irá desconsiderar a realidade da doutrina da inabilidade e depravação dos seres humanos. O mesmo apóstolo declara novamente a incapacidade humana de entender as coisas de Deus, quando, em 1 Co 2:14, diz:"o homem natural não compreende a mensagem do Espírito Santo, pois lhe parecem loucura(...)".  Existem vários outros textos bíblicos que confirmam tal incapacidade e depravação, mas esses já são suficientes para comprovar o que queremos argumentar.

Considerando essas verdades já expostas, como então podemos interpretar Jo 5:25?

Ora, primeiramente lembremo-nos que a expressão "morto espiritual" é uma referência ao estado de incapacidade e depravação que já falamos acima. O homem é naturalmente incapaz de ir à Deus; de escolher a salvação; de obedecer a Cristo. Não negamos  a verdade de que os homens sem Deus fazem escolhas, entretanto, tais escolhas são inclinadas e condicionadas ao pecado. Em outras palavras, o homem morto espiritual, isto é, em seu estado natural depois da queda, não quer escolher outra coisa senão o pecado, não existe um arbítrio livre, mas sim cativo. Em segundo lugar, o texto não diz que os mortos irão ouvir a voz de Cristo pelo seu próprio poder e capacidade natural. Crer assim significa afirmar que a bíblia é contraditória, visto que ela afirma justamente o contrário, isto é, que os homens mortos espirituais não podem crer. Da mesma forma que Lázaro não podia ressuscitar fisicamente a si mesmo, sendo preciso Cristo ressuscitá-lo, assim também  é com a morte espiritual. Em terceiro lugar, o texto não está tratando das especificidades da atuação de Cristo e do Espírito Santo no ato salvífico do morto. O texto apenas afirma que "quem ouvir, viverá". De forma que, levando em conta o contexto imediato da passagem e também o contexto geral da escritura, três perguntas podem ser feitas ao versículo:

1. Quem ouvirá? 

2. O que Cristo primeiramente fará para que os mortos ouçam e creiam? 
3. O que acontecerá quando eles ouvirem?

1. Quem ouvirá? 

Resposta: O contexto imediato da passagem de Jo 5:25 está tratando da cura de um enfermo efetuada por Cristo junto ao tanque de betesda(Jo 5.2-9). Cura esta que provocou a ira do judeus que passaram a perseguir a Cristo por entenderem que o Senhor era um descumpridor da lei ao ordenar que o homem curado levasse o leito num dia de sábado(vers.11). Outra crítica dos judeus era que Cristo se colocava no mesmo patamar de autoridade do Pai(vers.11-18). Como resposta aos judeus, Cristo prontamente inicia a sua argumentação  afirmando sua autoridade junto ao Pai(vers.19-23). No meio dessa argumentação, antes do dito do versículo 25, Cristo, no verso 21, responde a nossa primeira pergunta quando diz : "Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho vivifica AQUELES QUE QUER". Aqui está a resposta para nossa primeira pergunta. Cristo concede vida espiritual àqueles que ELE SOBERANAMENTE QUER CONCEDER VIDA ESPIRITUAL. A vivificação para a salvação é soberana e não depende da vontade do morto espiritual, pois se dependesse, o tal jamais ressurgiria espiritualmente. Logo, de acordo com o contexto, os que ouvem são aqueles que são primeiramente vivificados por Cristo.


2. O que Cristo primeiramente fará para que os mortos ouçam e creiam?

Resposta: A resposta para esta pergunta também já fora respondida em nossa resposta à primeira pergunta. Ora, os mortos que crerão em Cristo, de acordo com o contexto da passagem, assim farão porque o próprio Senhor irá vivificá-los primeiramente. O ato de crer é resultado de uma ação prévia de Cristo, isto é, a ação da vivificação. A voz de Cristo soará aos ouvidos DAQUELES MORTOS QUE ELE QUER VIVIFICAR de uma forma eficaz e poderosa. É a voz de Cristo que dará vida aos mortos espirituais(Jo 5:21). É referindo-se a Cristo que o apóstolo Paulo afirma: "E nos VIVIFICOU estando nós mortos em delitos e pecados"(Ef 2:1). A bíblia não se contradiz, o homem não pode ouvir(crer) sem primeiramente a ação vivificadora de Cristo o tocar.

3. O que acontecerá quando os mortos ouvirem?

Resposta: Como já dito, a voz do Cristo ressoará de forma vivificante dando vida aos mortos; estes ouvirão a voz do Cristo, e, ressurgindo de sua morte, viverão. Em outras palavras, esses mortos serão salvos. Note que tudo parte primeiramente de Cristo, e não do próprio morto. A voz de Cristo atua de forma eficaz no coração do homem natural o qual o Senhor pretende vivificar, e por consequência disto, o homem crê. Porém, a voz de Cristo não tem a mesma intenção salvífica quando é falada ao coração do não-eleito, ou seja, no coração daqueles que o Senhor não irá vivificar. Hoje, a voz de Cristo ecoa através da mensagem do evangelho e tem apenas o efeito salvífico e eficaz naqueles que Ele elegeu; nos demais, a voz de Cristo é cheiro de morte e condenação(2 Co 2:16).

É bem verdade que existe a interpretação arminiana de uma graça preveniente sobre todos os homens que os regeneram parcialmente capacitando-os a terem fé . Entretanto, tal ensino é incoerente, portanto, anti-bíblico. Não oferecerei aqui uma refutação de tal ensino; já fiz isto quando escrevi o texto intitulado "A incoerência da graça preveniente e da regeneração parcial no arminianismo. Há também outros textos que  podem servir como defesa da soteriologia calvinista aqui em meu blog. Desta forma, podemos concluir afirmando que o texto de João 5:25 não oferece nenhum fundamento para as teorias pelagiana, semi-pelagiana e arminiana. A verdade da revelação em João 5:25 de fato diz que os mortos ouvirão e viverão, entretanto ouvirão mediante o poder vivificador do Filho. Como também, esses mortos os quais Cristo refere-se em João 5:25, são aqueles que O FILHO QUISER DE FORMA SOBERANA VIVIFICAR. Estes sim ouvirão mediante a vivificação, e viverão.

Solus Christus

Álvaro Rodrigues


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